sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Oitenta anos de Elton Medeiros! Grande amigo e parceiro!




Virando pó 
(Elton Medeiros e Ana Terra)

raiava o dia
 morena
 sem sol
você me matava
 serena e sem dó
partindo que nem passarinho
partia em mil pedacinhos
meu frevo
 carinho todinho só seu
chorava que nem menininho
perdido no mundo sozinho
tudinho que eu sempre sonhava morreu

mas toda dor se vai
se vem nova paixão
agora só lembro seu gosto
meu bem
na hora do limão
na hora do jiló
memória melhora
e você vem
virando pó

quinta-feira, 29 de julho de 2010

O DIABO MORA NOS DETALHES






O diabo mora nos detalhes - reflexões sobre os direitos do autor
.

As alterações que estão sendo propostas na legislação trazem em sua redação palavrinhas perigosas e aparentemente inocentes, mas abrem brechas que podem prejudicar os direitos dos autores.
 

Em debate recente alguém perguntou ao maestro Leonardo Bruno, o que é um músico? E ele respondeu mais ou menos isso: é aquele para quem a música é a primeira e principal razão de viver.
 

O artista é alvo de amor e ódio da sociedade. Ao mesmo tempo em que endeusado por sua criação, é também invejado por sua liberdade. Prazer e trabalho raramente se conjugam. A maioria não gosta do que faz porque seu trabalho não tem significado, não lhe diz respeito, é alienado, não lhe pertence. E esperam o fim de semana para fazer finalmente o que gostam. Quando alguém me pergunta qual a minha profissão e respondo, compositora e escritora, algumas vezes ouço: mas no que você trabalha de verdade!?
 

No momento encontra-se em consulta pública a proposta de alteração da lei 9610/98 de Direitos Autorais. Não sou advogada, sou autora, e como tal minha cabeça é livre para pensar sem nenhuma amarra técnica. Tenho lido sobre a legislação a respeito, mas mesmo as correntes mais protetoras dos autores em algum momento os deixam órfãos. Precisava de uma chave para compreender o argumento filosófico que institui esse paradoxo que me intriga e para isso fui às origens.
 

A arte sempre existiu, mas antigamente não tinha o status de propriedade. Era tratada como uma prestação de serviço especial e seus criadores eram sustentados pela corte ou pela elite. A arte sempre foi fundamental para a existência. O que seria dos templos, palácios, cerimônias públicas, salões nobres? O que seria a vida sem ela? Por isso os criadores sempre foram sustentados.
 

Quando Gutenberg inventa a prensa, a história muda. Passa-se do manuscrito, sob a guarda de seus autores, à possibilidade de reprodução em grande quantidade a partir de um original. Surge então a questão de autoria e propriedade sobre os escritos. Diante disso, os monarcas instituem o regime de privilégios que, por meio de critérios políticos, garante exclusividade aos impressores e aos editores. A elite, como sempre, protege os meios de produção. O capital, e não o trabalho. Só na passagem da Idade Média para a Renascença e seus princípios de valorização do homem, é que os autores percebem sua importância inquestionável para o desenvolvimento da indústria editorial.
 

Coube à Inglaterra, em 1710, sancionar a primeira legislação escrita sobre a matéria com a célebre Lei da Rainha Ana, o
 Copyright Act, reconhecendo aos autores o direito exclusivo de reprodução sobre as obras por eles criadas. Mas essa noção só seria plenamente institucionalizada com as leis francesas de 1793, que garantiram expressamente o direito ao autor de exploração da obra pelo prazo previsto, após o qual cairiam no domínio comum “como compensação pelo fato de valer-se o criador, em sua elaboração, do acervo cultural da humanidade.” 

Esse é o detalhe principal. Uma premissa falsa a partir da qual o paradoxo se instala e justifica as mudanças propostas para a lei brasileira em vigor. Por um acaso alguma coisa pode nascer do nada? Tudo nasce do acervo cultural da humanidade.
 

O Direito Autoral no Brasil é amplamente amparado na Constituição brasileira que, em 1988, não só consolidou mas ampliou esses direitos que, além dos anteriores direitos de reprodução e exclusividade de utilização, incluiu também a prerrogativa de exclusividade na publicação da obra. Isto significa que o autor tem a faculdade de oferecer ou não ao público o acesso à sua obra.
 

A proteção à propriedade intelectual é uma garantia fundamental, como o direito à vida e à inviolabilidade do domicílio. Muitas vezes, com a melhor das intenções, criam-se armadilhas conceituais. Os temidos detalhes. Por exemplo, a obra do espírito é definida equivocadamente como imaterial, como se pudesse existir alguma “obra” que não fosse resultado de uma ação ou trabalho. Mesmo uma música, que se propaga no ar, não precisa estar gravada ou registrada em uma partitura para receber proteção autoral, mas precisa ser exteriorizada. Para ser executada pela voz ou outro instrumento a idéia se materializa em primeira instância no suporte corpo humano. Não há idéia exteriorizada dissociada do suporte físico, portanto não há obra imaterial.
 

A obra de arte é o patrimônio moral e pecuniário de seu autor. No sistema capitalista brasileiro deve ser tratado como qualquer patrimônio, que é transmissível por herança sem prazo para extinção desse direito. Da mesma forma que a ciência de construir uma moradia é fruto do acervo cultural da humanidade, nem por isso ela passa ao domínio público. E também não é alvo de autorização não voluntária para, por exemplo, fins educacionais ou culturais.
 

O Direito Autoral é uma conquista do trabalhador intelectual e da civilização. Em 2002, na recente codificação dos direitos civis, foi incluído nos Direitos da Personalidade, inserido nos chamados Direitos da Pessoa referentes à posição do ser humano na sociedade, e destina-se a individualizar a pessoa e conferir-lhe meios de se desenvolver intelectualmente. A obra de arte é considerada um prolongamento da personalidade de seu autor e com ele estabelece um vínculo permanente mesmo após sua morte.
 

O conflito entre o direito de propriedade sobre suas obras X o direito da sociedade ao conhecimento é um falso conflito causado por detalhes que, aparentemente, não são do mal, mas vão distorcendo perigosamente o espírito das leis.
 

No mundo nada é de graça. Mesmo nos eventos “gratuitos” alguém está pagando por isso. No caso da música, por exemplo. Em cerimônias religiosas, nas festas populares, nos estabelecimentos de ensino, nas academias de ginástica e, evidentemente, nos meios de comunicação, todos recebem por seu trabalho. O padre, o pastor, o produtor, os técnicos, o vendedor de cachorro quente, o porteiro, os professores. Os únicos acusados de “atrapalhar a festa” são os autores. Por quê? Seria por conta dos sentimentos de amor e ódio que despertam nos não criadores?
 

Podemos negociar preços, caso sejam inadequados, mas não princípios. Todo trabalhador, tem que ser receber pagamento por seu trabalho. Para todas as questões, inclusive as de ordem subjetiva, existem os parâmetros das leis. A lei de Direitos Autorais em vigor no Brasil, e na maioria dos países, guardados os equívocos de origem apontados, segue os princípios da Convenção de Berna. Esta garante os direitos morais e patrimoniais do autor e os dos titulares de direito conexo ao do autor, incluindo nessa categoria, os intérpretes e executantes.
 

As alterações que estão sendo propostas trazem em sua redação palavrinhas perigosas e aparentemente inocentes, mas abrem brechas para alterar o espírito da lei. E como reza a sabedoria popular: o diabo mora nos detalhes.
 

24/7/2010
 

Fonte: ViaPolítica/A autora
 

Mais sobre Ana Terra
 

Ana Terra é compositora, escritora e autoprodutora. Atualmente coordena com Teo Lima o projeto “Casa do Músico”, realiza palestras sobre o “Sistema Criativo da Música Brasileira” e participa do FPM-RJ Fórum Permanente de Música do Rio de Janeiro.
 

Tem cerca de 100 gravações de obras musicais com letras de sua autoria, como: Elis Regina - “Essa Mulher”, “Pé sem Cabeça”, “Sai Dessa”. Milton Nascimento e Nana Caymmi - “Meu Menino”. Maria Bethânia -“Da Cor Brasileira. Emílio Santiago - “Ensaios de amor” e “É só uma canção”. Barão Vermelho e Ângela Rô Rô - “Amor meu grande amor”. Elton Medeiros - “Virando Pó”, “Direito à vida”, “Mãe e Filha”. Sueli Costa e Lucinha Lins - “Insana”, “Minha Arte”. Dori Caymmi, Leila Pinheiro e Renata Arruda - “Essa Mulher”. Lisa Ono - “Os dois”, “Eu sou carioca”, “Diz a Ela”, “Essência”. Mart’nália - “Sai Dessa”.
 

Publicou em literatura,
 Letras e Canções (poesia), Estrela (prosa) e Minha Arte (biografia virtual). Recebeu prêmio do Ministério da Cultura pelo roteiro original do longa-metragem Os Campos de São Jorge. Produz e dirige audiovisuais e tem peças de teatro inéditas. 

Ao lado da criação artística, atua como ativista política participando do movimento independente das artes, da implantação do canal comunitário de Niterói, dos fóruns de música.
 
Em 2004 foi tema do documentário
 Ana Terra, do cineasta Luiz Rosemberg Filho. 

E-mail:
 anaterra01@gmail.com 

Blog:
 http://anaterra01.blogspot.com/ 

Rede:
 http://anaterra.ning.com/

segunda-feira, 21 de junho de 2010

AVESSO (Fred Martins/Ana Terra) inédita

Avesso

Às vezes perco a vez
e chego aos portais de mim
à beira do abismo ainda cismo
em me lançar no ar

eu vejo o que me salva
o que me que faz voar...

o imprevisto amor acena
 como se me visse a primeira vez

o amor ensina como se ilumina
corpo e coração
o enlouquecido amor nos ilumina
corpo e coração

o avesso de morrer não é a vida
o avesso de morrer é a paixão




quarta-feira, 2 de junho de 2010

Iris Salvagnini e Sydney Valle - Tanta Voz



TANTA VOZ  (Marília Medalha/Ana Terra)

CANTA PASSARINHO
SÓ MAIS UM POUQUINHO
ME ALIVIA A ALMA
AMACIA O DIA

BEM AVENTURADOS SÃO
TODOS OS QUE CANTAM
PARA O SEU BENZINHO
POR PAIXãO

OS QUE TAMBÉM CANTAM EM VÃO
PARA OS SOLITáRIOS
PARA OS namorados
os que cantam só

tanta voz
me acompanha
me acalanta
na dor (na dor)

me adormece
me enternece
de amor

noite escura
tempo passa
você me sussurra
UMA MELODIA
E me ilumina outra vez 

domingo, 30 de maio de 2010

QUERO MAIS (Ângela Rô Rô/Ana Terra) no Canecão




Quero mais
Uma fatalidade
Um jazz
Um raio me cortando
Um gás
Me embriagando
 Faz
Um terremoto em mim
Da guerra quero sim
Só aprender
A paz

Pra que eu não enlouqueça
Me rouba a razão
Pra que eu não adoeça
Me mata de paixão
O amor é ópio
Coração
Quero insana
Mais uma ilusão

Quero sim
Me travestir
de querubim
me enxovalhar
no botequim
numa alegria
enfim
me abandonar
em mim
delírios
 sem ter fim
eterno
Tanto faz






sábado, 29 de maio de 2010

AMORES (Nilson Chaves/Ana Terra)



Tem o amor que chega de leve e bem mansinho
Vai fazendo seus planos, vem fazendo seu ninho
Tem o amor que deixa um desolado inverno
Os olhos rasos d’água, o coração deserto

 Tem o amor repleto de palavras vazias
Apenas uma dose, apenas companhia
Tem o amor que passa, só dura uma tarde
Não deixa uma só marca, não deixa nem saudade

 Tem o amor que nasce de todos os sentidos
Trazendo tempestades, sonhando o infinito
Virando pelo avesso a ordem da palavra
Repleto de desejo, nenhum tempo lhe basta

 De todos os amores  esse é o mais temido
Te puxa pelos passos, apaga labirintos
Mas quando ele me falta, sem ele eu não fico
Sem ele apenas passo, sem ele eu não vivo

sexta-feira, 28 de maio de 2010

A MANDO (Claudio Nucci/Ana Terra)














Gosto desse amor inesperado 

sem futuro nem passado 
mas junto com nossa roupa 
arranca o presente dado. 

Gosto desse amor me devastando
 
com a sua mocidade
 
me sujeitando a seu mando
 
pra cumprir minha vontade.
 

Roubando estrelas do céu da boca
 
cravando os dentes na minha carne
 
os dedos em minhas partes ocas
 
e beijos molhados por toda parte
 
me percorrendo com intimidade
 
como se em mim sempre morasse
 
nosso prazer fosse uma arte
 
e cada gesto, nos retocasse.
 

domingo, 7 de março de 2010

SER ARTISTA

“Saiba que os poetas como os cegos podem ver na escuridão” (Chico Buarque) 


Na próxima encarnação quero vir artista outra vez. Falei isso para minha filha, também artista, que não acredita em reencarnação, mas ouvia e se emocionava junto comigo, músicas de meu letrista soberano. Conversamos sobre o que nos leva a continuar criando mesmo com irrelevante retorno financeiro, como é o nosso caso e de muitos. Para mim está claro: crio para não morrer ou enlouquecer. Sei que de outra forma não daria conta da intensidade do que sinto. Mas paradoxalmente só com esse sentimento avassalador é que me entendo com a vida. 

A criatividade nasce dos sonhos, da fantasia que todos temos, dormindo ou acordados e é gerado pelo desejo de transformação. O inconsciente é livre e para ele nada é impossível. Dessa liberdade muitas vezes incompreensível nascem novas conexões que nos revelam saídas, novos caminhos para nossas questões pessoais. E assim é para a maioria. 

A criação de uma obra de arte vai além desse limiar. O devaneio precisa entrar em acordo com a memória e a consciência individual e buscar um canal apropriado de expressão para, de essa fusão nascer a possibilidade de fazer da lama um anjo, dos sons separados uma música, das palavras soltas um poema. A fantasia pessoal é instrumentalizada para se amalgamar a um material e ganhar uma forma que será accessível ao outro. Para o artista, criar é cair em si para sair de si. 

Quando se diz que arte é muito mais transpiração que inspiração é para, talvez, se livrar da idéia de que não é um trabalho. Ao contrário do castigo de Sífiso, da lenda grega, condenado a empurrar eternamente morro acima a pedra que rola morro abaixo, o artista precisa ir por caminhos que nunca passou antes. E, no caso dos mestres, por onde nunca ninguém passou. 

Quanto maior o artista, mais riscos corre. É preciso coragem existencial para ir por mares nunca dantes navegados. Quanto mais dá asas à fantasia, mais domínio do material é exigido. Quanto mais aperfeiçoa a linguagem, mais cuidado precisa para não aprisionar a imaginação. 

A conciliação entre natureza instintiva e civilização, que se fundem num fluxo harmônico e encontram ressonância no outro, apresenta-se como resolução de um conflito. Esse “estado de graça” que alcançamos quando admiramos uma obra de arte que entra em sintonia com a nossa percepção, é o alívio de saber que alguém pensou nisso antes e nos adiantou a viagem. 

E há ainda aqueles que ampliam tanto as fronteiras da criação que sua obra só encontra acolhida tempos depois de sua morte. Porque não se submeteram aos padrões estéticos de sua época ou às leis dos homens ou às do mercado. Seguiram as leis que não estão escritas e por isso se tornam imortais. 

7/3/2010 

Fonte: ViaPolítica/A autora

Texto inspirado em "Mozart: sociologia de um gênio" de Norbert Elias.



SER ARTISTA

“Saiba que os poetas como os cegos podem ver na escuridão” (Chico Buarque) 

Na próxima encarnação quero vir artista outra vez. Falei isso para minha filha, também artista, março de que não acredita em reencarnação, mas ouvia e se emocionava junto comigo, músicas de meu letrista soberano. Conversamos sobre o que nos leva a continuar criando mesmo com irrelevante retorno financeiro, como é o nosso caso e de muitos. Para mim está claro: crio para não morrer ou enlouquecer. Sei que de outra forma não daria conta da intensidade do que sinto. Mas paradoxalmente só com esse sentimento avassalador é que me entendo com a vida. 


A criatividade nasce dos sonhos, da fantasia que todos temos, dormindo ou acordados e é gerado pelo desejo de transformação. O inconsciente é livre e para ele nada é impossível. Dessa liberdade muitas vezes incompreensível nascem novas conexões que nos revelam saídas, novos caminhos para nossas questões pessoais. E assim é para a maioria. 



A criação de uma obra de arte vai além desse limiar. O devaneio precisa entrar em acordo com a memória e a consciência individual e buscar um canal apropriado de expressão para, de essa fusão nascer a possibilidade de fazer da lama um anjo, dos sons separados uma música, das palavras soltas um poema. A fantasia pessoal é instrumentalizada para se amalgamar a um material e ganhar uma forma que será accessível ao outro. Para o artista, criar é cair em si para sair de si. 



Quando se diz que arte é muito mais transpiração que inspiração é para, talvez, se livrar da idéia de que não é um trabalho. Ao contrário do castigo de Sífiso, da lenda grega, condenado a empurrar eternamente morro acima a pedra que rola morro abaixo, o artista precisa ir por caminhos que nunca passou antes. E, no caso dos mestres, por onde nunca ninguém passou. 



Quanto maior o artista, mais riscos corre. É preciso coragem existencial para ir por mares nunca dantes navegados. Quanto mais dá asas à fantasia, mais domínio do material é exigido. Quanto mais aperfeiçoa a linguagem, mais cuidado precisa para não aprisionar a imaginação. 



A conciliação entre natureza instintiva e civilização, que se fundem num fluxo harmônico e encontram ressonância no outro, apresenta-se como resolução de um conflito. Esse “estado de graça” que alcançamos quando admiramos uma obra de arte que entra em sintonia com a nossa percepção, é o alívio de saber que alguém pensou nisso antes e nos adiantou a viagem. 



E há ainda aqueles que ampliam tanto as fronteiras da criação que sua obra só encontra acolhida tempos depois de sua morte. Porque não se submeteram aos padrões estéticos de sua época ou às leis dos homens ou às do mercado. Seguiram as leis que não estão escritas e por isso se tornam imortais. 

7/3/2010 

Fonte: ViaPolítica/A autora

Texto inspirado em "Mozart: sociologia de um gênio" de Norbert Elias.