quinta-feira, 27 de novembro de 2014
GUARDADOS de Joyce e Ana Terra
Nos meus guardados guardo com todo cuidado
os retratos, os recortes, as lembranças da infância
convivendo lado a lado os vestidos sem decote
do primeiro casamento, da primeira comunhão
as coisas sem importância já sem cor e sem pecado
um pedaço de cabelo, um sorriso desbotado
uma chave que não abre, quadras, cartas sem resposta
um anel que já não cabe, um coração amassado
nos meus guardados guardo com todo cuidado
o meu riso de criança como se fosse pecado
a paixão que ainda não tive sem começo e sem destino
quando se rasga eu remendo como se fosse um vestido
guardo o brilho dos meus olhos e a loucura que não fiz
esse ar que sempre falta na hora de ser feliz
guardo a beleza mais densa e a cicatriz mais sofrida
as coisas que ninguém pensa guardo pra mim minha vida
terça-feira, 25 de novembro de 2014
PROTEÇÃO
Preciso me proteger de formigas, abelhas, cães e gatos, sol, relâmpagos, pesadelos, amores infindáveis, paixões fulminantes, amizades duvidosas, dizer menos o que penso, sentir menos o que sinto, envelhecer sem utopias, desistir de saltos no desconhecido, não crer que homem é uma maravilha, desistir da humanidade, reverenciar os ricos, me afastar dos pobres, ter mais sapatos que livros, usar roupas condizentes com a idade, não gostar de namorar, não escrever bobagens de amor, ter estratégias para amar, não atender o celular no primeiro toque, não fumar, não demonstrar ansiedade ou carência, não conversar com qualquer um, desistir do socialismo, deixar de brigar pelos outros, rir menos, chorar mais.
Minha amiga diz: você precisa de proteção, não se exponha tanto!
E eu só penso: o que seria a vida sem a vida?
Foto: LC Varella
segunda-feira, 24 de novembro de 2014
domingo, 23 de novembro de 2014
sábado, 22 de novembro de 2014
MÚSICOS
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Minha Arte – 40 Músicos
Para Helvius Vilela - Natal de 2009
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Por Ana Terra, de Niterói
Não fui agraciada pelos deuses da música com talento para tocar um instrumento. Minha arte se resume a descobrir, nas melodias dos parceiros, palavras que traduzam o que o músico já disse com suas notas musicais. É exatamente isso, traduzir.
Músicos se expressam em outro idioma, que mesmo não sabendo falar, compreendemos com a escuta do coração quando uma música “nos toca”.
Quando entrei na família Caymmi, iniciei minha carreira de letrista. Mas muito mais do que isso, aprendi, com Dorival e família, respeito e admiração pelos instrumentistas que os acompanhavam e a outros artistas. “Ouça, minha filha, a maravilha que esse menino faz com o piano!”
Hoje é dia de Natal e por estarmos mais sensíveis com o nascimento do menino-deus, verdadeiro ou simbólico, pensamos naqueles que estão ausentes, porque morreram, como Dorival e Stella, ou porque sofrem com doenças ou outros males. Por isso pensei no pianista Helvius Vilela, que, doente, não pode trabalhar e ganhar seu sustento e de sua família. Pensei nele porque soube disso pela Ana de Hollanda, com quem tocou e que revi no lançamento do seu CD em setembro.
Pensei em Helvius porque tenho pensado muito nos músicos “da antiga”, que trabalharam a vida inteira, mas não tem quem os mantenha quando a saúde lhes falta. Além da batalha diária para conseguir trabalho com música decente, à altura do talento deles, e não essa porcaria que infesta os meios de comunicação.
Pensei em Helvius, porque há mais de 30 anos venho militando no setor musical, no qual percebo a perversão que aflora nos que sentam a bunda em qualquer instância de poder, sejam entidades de classe ou poder público. É a figura histórica do traidor de classe, o capitão do mato. Essa perversão consiste em desqualificar os músicos: “são bêbados... são drogados... não se organizam... se estão nessa situação, a culpa é deles...” Não, a culpa não é deles.
A culpa é de todos nós quando compactuamos com políticas públicas que financiam o empresariado e não o trabalhador.
Quando não exigimos um sistema de saúde que atenda a todos e não apenas aos que têm plano de saúde.
Quando não exigimos do Estado a obrigação que lhe cabe: responsabilizar-se por todos os seus cidadãos, na saúde e na doença, na alegria e na tristeza. Mas, enquanto isso não vem, tratemos de fazer do nosso modo. Levemos adiante o projeto do baterista Teo Lima, que, inspirado na Casa do Artista dos atores, vem batalhando para criarmos a CASA do MÚSICO.
Vamos nos unir para, em 2010, concretizarmos essa ideia. Aí sim, teremos um feliz ano novo. “Ouçam, meus filhos, a maravilha que esse menino faz com o piano!”
Clique para ouvir Retrato em branco e preto com Helvius Vilela ao piano
https://www.youtube.com/watch?v=zftrE2j1jPA
25/12/2009
Fonte: ViaPolítica/A autora
Mais sobre Ana Terra: Ana Terra é compositora profissional desde 1975 e tem cerca de 100 gravações de obras musicais com letras de sua autoria, como Elis Regina - “Essa Mulher”, “Pé sem Cabeça”, “Sai Dessa”. Milton Nascimento e Nana Caymmi - “Meu Menino”. Maria Bethânia -“Da Cor Brasileira. Emílio Santiago - “Ensaios de amor” e “É só uma canção”. Barão Vermelho e Ângela Rô Rô - “Amor meu grande amor”. Elton Medeiros - “Virando Pó”, “Direito à vida”, “Mãe e Filha”. Sueli Costa e Lucinha Lins - “Insana”, “Minha Arte”. Dori Caymmi, Leila Pinheiro e Renata Arruda - “Essa Mulher”. Lisa Ono - “Os dois”, “Eu sou carioca”, “Diz a Ela”, “Essência”. Mart’nália - “Sai Dessa”. Publicou os livros Letras e Canções (poesia) e Estrela (prosa). Recebeu prêmio do Ministério da Cultura pelo roteiro original do longa-metragem Os Campos de São Jorge. Produz e dirige audiovisuais e tem peças de teatro inéditas. Ao lado da criação artística, atua como ativista política desde os anos 1970, participando do movimento independente das artes, da implantação do canal comunitário de Niterói, dos fóruns de música. Em 2004 foi tema do documentário Ana Terra, do cineasta Luiz Rosemberg Filho.
quinta-feira, 20 de novembro de 2014
sexta-feira, 14 de novembro de 2014
in "O Erotismo" -Georges Bataille
"O ser amado para o amante é a transparência do mundo. O que transparece no ser amado é aquilo de que falarei daqui a pouco a propósito do erotismo divino ou sagrado. É o ser pleno, ilimitado, que não limita mais a descontinuidade pessoal. É, em síntese, a continuidade do ser percebida como uma libertação a partir do ser do amante. Há uma absurda, uma enorme desordem nessa aparência, mas, através do absurdo, da desordem, do sofrimento, uma verdade de milagre. Nada, no fundo, é ilusório na verdade do amor: o ser amado equivale para o amante, para o amante só, sem dúvida, pouco importa, à verdade do ser. O acaso quer que, através dele, a complexidade do mundo tendo desaparecido, o amante perceba o fundo do ser, a simplicidade do ser."
quarta-feira, 12 de novembro de 2014
A DOIS -Sueli Costa/Ana Terra
Acesse o link
Mas só seu nome é lindo
Só seu corpo é bom
O mundo triste exílio
Não passa de um borrão
Você é nitidez
Melhor obra de Deus
Quem sabe Ele só quis
Se ver com os olhos meus.
Mas de repente a luz,
A explosão me cega
Essa paixão me pega
E me reduz a dois
Então já sei que é dor
Rimando com amor
Um anjo diz amém
E falta ar depois
A explosão me cega
Essa paixão me pega
E me reduz a dois
Então já sei que é dor
Rimando com amor
Um anjo diz amém
E falta ar depois
Mas só seu nome é lindo
Só seu corpo é bom
O mundo triste exílio
Não passa de um borrão
Você é nitidez
Melhor obra de Deus
Quem sabe Ele só quis
Se ver com os olhos meus.
segunda-feira, 10 de novembro de 2014
Duende
É bom assim sentir essa saudade
que me ilumina ao pensar em ti
como teu fogo nunca se apagasse
e mesmo distante estivesse aqui
É bom assim sentir esse teu cheiro
no lençol da cama que em mim vesti
então teu corpo no meu permanece
e só teu perfume me fará dormir
e repousar da tua pele quente
que ao tocar na minha até a alma sente
como se em mim passasse a residir
esse duende Lorca que já mora em ti
que me ilumina ao pensar em ti
como teu fogo nunca se apagasse
e mesmo distante estivesse aqui
É bom assim sentir esse teu cheiro
no lençol da cama que em mim vesti
então teu corpo no meu permanece
e só teu perfume me fará dormir
e repousar da tua pele quente
que ao tocar na minha até a alma sente
como se em mim passasse a residir
esse duende Lorca que já mora em ti
sábado, 1 de novembro de 2014
Sistema Criativo da Música Brasileira
Criando novos modelos diferenciados de negócios e gestão para a música do Brasil, uma necessidade social.
“Mesmo as camadas mais inteligentes dos povos não europeus acostumaram-se a enxergar-se e as suas comunidades como uma infra-humanidade, cujo destino era ocupar uma posição subalterna pelo simples fato de que a sua era inferior à da população europeia”. Darcy Ribeiro
Quando nos referimos aos países hegemônicos como primeiro mundo, e ao nosso como terceiro mundo estamos apenas reproduzindo a lógica da dominação que, junto com seus espelhinhos, trouxeram conceitos e preconceitos de tal forma introjetados que nem damos conta.
Quando nós mesmos, músicos, dizemos que a classe é desunida e desarticulada e por isso está na lamentável situação em que se encontra, estamos apenas reproduzindo esse discurso que poupa os reais responsáveis por essa situação: o poder público que direciona políticas através de editais e verbas privilegiando o poder econômico, e não o mercado de trabalho para o músico e as entidades de classe, que são omissas ou cooptadas.
Músicos eram considerados vagabundos, malandros, desocupados. Quando ironicamente passam a ser a alma da festa, entram pela porta dos fundos e comem na cozinha, locais dos trabalhos “subalternos”, desvalorizados em relação aos locais “nobres”. Nas casas com música ao vivo, ainda hoje essa situação se mantém porque são roubados pelos proprietários, que não lhes repassam integralmente o couvert artístico. Assim como trabalham de graça nas feiras e festivais de música, quando todos os outros profissionais são pagos, e o que é pior, com dinheiro público.
A baixa auto-estima do artista é fundamental para manter as coisas como estão. E a naturalização dos conceitos também. Como disse o filósofo Antonio Negri: “Todos os elementos de corrupção e exploração nos são impostos pelos regimes de produção linguística e comunicativa: destruí-los com palavras é tão urgente quanto fazê-los com ações.” Tratar a arte como cadeia produtiva é o primeiro conceito a ser questionado. As análises e modelos da economia que são utilizados para as atividades industriais e comerciais, em geral, não são adequados às artes, por tratar-se de outra natureza de mercadoria e função social.
A arte da música não é um simples elo de uma cadeia produtiva. A arte da música é a razão de ser de todas as atividades do mundo da música. A obra de arte é um produto que não tem valor utilitário, mas valor simbólico, e o simbólico é um dos ingredientes da fórmula humana. É uma necessidade social. A produção da obra de arte não depende só de treinamento e vontade, mas de talento, vocação e dedicação. Para uma atividade diferenciada o modelo deve ser diferenciado.
Esta é uma proposta de modelo para se pensar a atividade musical a partir de sua origem, a criação. Pensando a música como sistema e não como cadeia.
Definições
MÚSICO PROFISSIONAL BRASILEIRO são compositores, letristas, instrumentistas, arranjadores, regentes e cantores nascidos no Brasil ou naturalizados, que recebem remuneração pelo seu trabalho.
SISTEMA CRIATIVO - O Sistema é criado a partir de um núcleo vital sem o qual ele não existe. Como o sistema solar.
NÚCLEO CRIATIVO – composto pelo músico profissional brasileiro. Sem o compositor não há obra. Sem o intérprete não há comunicação da obra
O NÚCLEO CRIATIVO é autopoiese. Poiesis em grego quer dizer poesia, criação, produção. Autopoética= autoprodutor. Todo músico é indiscutivelmente produtor musical porque produz a obra. Esta categoria vem sendo confundida com produtor industrial e comercial, que são de natureza técnica, não personalizada, que o artista pode ou não também ser, caso tenha acesso aos meios de produção e circulação.
Todas as atividades da economia da música derivam do NÚCLEO CRIATIVO. Os detentores dos meios de produção e circulação da obra musical organizados como pessoa jurídica, invertem as relações fazendo crer que são “produtores do artista” quando na verdade todo artista é naturalmente autoprodutor.
Para aquele que se dedica integralmente à produção da obra de arte na sociedade mercantilista, sua produção precisa tornar-se uma mercadoria para que dela advenha seu sustento.
Todo artista é pessoa física e é dessa condição que realiza como autor e/ou intérprete a produção da obra musical. O que ele pode fazer é contratar profissionais ou empresas especializados em indústria e comércio para obter mais ganhos com seu produto.
O Estado brasileiro privilegia a pessoa jurídica nos encargos sociais, obrigando a pessoa física tornar-se jurídica. Para essa realidade é necessária a criação de figura jurídica exclusiva para o NÚCLEO CRIATIVO similar ao MEI: microempreendedor individual.
Com os avanços tecnológicos muita coisa mudou. Antes, o NÚCLEO CRIATIVO precisava de: editor da obra, gravadora, distribuidor, empresário, produtor, divulgador. Hoje, o compositor pode autorizar a gravação e receber seus direitos autorais diretamente, isto é, sem editar a obra. Os intérpretes podem gravar em estúdio caseiro ou alugar estúdio. A venda do fonograma pode ser direta. Os intérpretes podem ser seus próprios empresários, divulgadores e produtores.
O compositor produz a obra. O intérprete instrumentista e/ou vocal produz a comunicação da obra por meio de execução ao vivo e/ou gravação.
Uma forma mais justa e orgânica é possível para o mundo da música. Baseados na recente vertente chamada Economia Criativa, é possível criar novos modelos de negócios e gestão a partir da ótica do NÚCLEO CRIATIVO. E com os valores éticos de solidariedade, cooperação e justiça construir um novo mundo possível.
5/7/2011
Fonte: ViaPolítica/A autora
Ana Terra é compositora e escritora.
E-mail: anaterra01@gmail.com
Blog: http://anaterra01.blogspot.com/
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