segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Para Ana Terra por Tiago Torres da Silva

"Ana Terra me chegou na voz de Maria Bethânia. Foi assim que travei conhecimento com a poesia de uma mulher que nunca mais esqueci. Ainda por cima, Ana falava do ser humano-homem como se trouxesse recordações de outras encarnações em que talvez pudesse ter sido um cavalheiro. Me surpreendeu o despudor com que ela retratava o homem da cor brasileira. Eu era um menino. Só um menino. Mas corri atrás e fui encontrar Ana na voz de Elis nessa extraordinária canção que é “Essa mulher” e aí ela falava do ser humano-mulher com a mesma intimidade com que falara do masculino na canção que Bethânia gravou. As duas vinham embrulhadas pelas maravilhosas melodias de Joyce, deusa-compositora de quem tive a felicidade de me tornar parceiro faz muito pouco tempo.
Descobri que o poeta tinha tudo dentro dele. O poeta é homem, é mulher, é deus, é santo, é puta, é veado, é velho, é menino. Ana Terra –a poeta – é tudo isso e muito mais. Ela, como seu próprio nome indica, é mãe, Mãe-Terra,, mãe-de-santo, mãe das palavras, mãe de tudo, nossa mãe! Escutar suas canções me ajudou muito a encontrar o lugar do meu ofício e descobrir que a poesia é “feita de sombra e tanta luz/ de tanta lama e tanta cruz/ que acha tudo natural”.
Aprendi também a deixar ir as pessoas que passam na minha vida e seguem outros destinos. Deixá-las ir sem deixar de as amar. Tudo isso eu aprendi escutando, lendo as letras de Ana. Escutando Milton, Nana, Danilo, Emílio, Leila… Escutando a incrível Ângela Rorô em “Amor, meu grande amor”, um tratado sobre as relações a dois. Bastaria Ana Terra ter escrito esta letra para já ter lugar de honra na história da MPB, mas Ana seguiu escrevendo muitas dezenas, centenas de canções, todas elas tocadas por essa capacidade que ela tem como poucos: Ser tudo e ser capaz de pôr esse “tudo” em 3 minutos de canção!"


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