sexta-feira, 4 de setembro de 2009

HOMENS


HOMENS

Homens, melhor tê-los.  E aprender com eles o que nos ensinaram por meio da poesia, da literatura, das artes quando dominavam sozinhos esses territórios. O amor romântico é uma invenção do masculino. Fruto da inteligência emocional para tornar menos árida a luta pela sobrevivência e a reprodução da espécie. Afinal, o que fazer no intervalo entre um ato sexual e outro?    Como me ensinou um amigo: quem ama é o homem, a mulher confia.

Mas há os desencontros, desacertos e uma grande discussão entre natureza e cultura, como se os humanos não fossem filhos dos dois. E agora a nova lei que equipara abuso a estupro, para o bem e para o mal.

Homens não são objeto de desejo das feministas radicais de gênero que acreditam ser o órgão sexual do homem, assim como o machado, uma arma utilizada desde a pré-história para atemorizar as mulheres e mantê-las sob seu jugo. E que toda sedução masculina é um estupro, só que alguns homens se dão ao trabalho de comprar uma garrafa de vinho.

A teoria oficial do estupro, nos Estados Unidos, originou-se no livro de Susan Brownmiller, “Against our Will” – Contra nossa vontade- lançado em 1975 que apresenta o estupro como crime de violência e não de sexo.

A doutrina do “bom selvagem” aliada à percepção da década de 1960, quando o sexo deixa de ser visto como sujo e passa a ser encarado como natural, e como o que natural é bom, o estupro sendo um mal não teria vinculação com o sexo. Como se o sexo não fosse também cultural e um tsunami fosse bom porque é um fenômeno da natureza.

A idéia das feministas passa a ser uma avaliação consensual e em 1993 a ONU-Organização das Nações Unidas declara: “O estupro é um abuso de poder e controle no qual o estuprador tenciona humilhar, envergonhar, embaraçar, degradar e aterrorizar a vítima.”

Essa idéia foi posta em dúvida quando em 2000 é publicado ”A natural of rape” - do biólogo Randy Thornhill e do antropólogo Craig Palmer. A lógica apresentada na pesquisa é que havendo possibilidade de procriação, mesmo que pequena, poderia ser uma “tática oportunista”, uma ação selecionada, e não excluída, do processo de seleção natural. “Ou poderia ser subproduto de duas outras características da mente masculina: o desejo por sexo e a capacidade de praticar violência oportunista para atingir um objetivo.”

Estes cientistas não apresentam nenhuma justificativa moral para o estupro, pelo contrário, apresentam cenários onde haveria maiores possibilidades de ocorrência e fazem sugestões para evitá-lo.

Também sugerem que a aversão das mulheres ao sexo forçado teria origem na sua natureza biológica: a fêmea é que escolhe o macho para copular, selecionando os genes que desejam para dar continuidade à espécie.

Estas idéias incendiaram o campo feminista e a crítica em geral: os autores haviam desrespeitado um tabu.

A questão principal que se apresenta é que se o estupro e sua proibição estão presentes em todas as sociedades humanas, o que pode ser feito para diminuir sua ocorrência?

Legislação com graves punições é uma óbvia medida, afinal o papel da cultura é afastar o homem de sua natureza animal e instituir regras civilizatórias. Quando os laços da civilização se afrouxam, no caso de guerras e ausência do Estado, o estupro é uma prática muito mais freqüente do que gostaríamos de supor. Assim como a tortura, amplamente divulgada, infringida por soldados americanos, homens e mulheres, a prisioneiros iraquianos, por exemplo.

A relação sexual evidentemente deve ser consensual, mas excluindo os casos praticados por psicopatas, e os de guerra (considerando-os uma patologia coletiva), até onde pode ser razoável atribuir toda responsabilidade ao homem?

Quando depois de aceitar o jogo de sedução, uma mulher concorda em ir para o quarto de um homem? Temos o famoso caso do lutador Mike Tyson que rendeu uma boa indenização à vítima e cadeia para o acusado. Neste, como em tantos outros não existiria um consentimento implícito da mulher? Não podermos desconsiderar o puritanismo da sociedade americana e a conseqüente hipocrisia, além da indústria de indenizações que é uma instituição naquele país.

No oposto ao puritanismo, o que dizer dos bailes funk do Rio de Janeiro onde se praticam, pública e anonimamente múltiplos “estupros consentidos”?

E o que pensar do argumento que justifica a violência como expressão legítima dessas comunidades?

E por que não se discute seriamente a precoce erotização das crianças pelos programas infantis da televisão. E porque confundi-los com a prática em voga de dar “selinho” e dizer “eu te amo” como se essas expressões fossem destituídas do erotismo que na verdade contêm. O ato sexual é para adultos. Às crianças deve-se permitir a infância. E todas as fantasias que lhes cabe em suas mentes infantis. E não as nossas. Será que para elas um tapinha não dói?


Referências:
Pinter, Steven. Tábula rasa – A negação contemporânea da natureza humana-. São Paulo, Companhia das Letras, 2004.
 Cap. 18: Gênero

Por Ana Terra de Niterói. 04|09|2009

domingo, 25 de janeiro de 2009

Fórum Social Mundial - Belém 2009


.
O Norte da Música
.


Música brasileira – o xis do problema


Belém, Pará – O brasileiro é essencialmente musical e cantar a vida nos alimenta a alma. Mas apenas uma parcela da população fará dessa atividade criativa também o alimento do corpo. Estes são os músicos profissionais que por talento e vocação escolhem essa forma específica de ganhar a vida. Para simplificar, chamarei de músico os integrantes do Núcleo Criativo da Música, isto é, compositores, letristas, instrumentistas, arranjadores, regentes, cantores. 

Formando-se em centros musicais de excelência ou formando-se intuitivamente, sendo como todos são, fruto da natureza e da cultura, o músico, como qualquer artista, tem como missão do espírito materializar algumas idéias que habitam o imenso oceano do inconsciente coletivo. Mas a forma única, pessoal e intransferível dessa expressão é que torna a obra de arte única, pessoal e intransferível. 

A criatividade é uma característica humana que pode ser exercida em qualquer tipo de produção, entretanto a obra de arte é um produto que não tem valor utilitário, mas valor simbólico, e o simbólico é um dos ingredientes da fórmula humana. É uma necessidade social. Para aquele que se dedica integralmente à produção da obra de arte na sociedade mercantilista, sua produção precisa tornar-se uma mercadoria para que dela advenha seu sustento. 

Todo músico é indiscutivelmente produtor musical porque produz a obra. Esta categoria vem sendo confundida com produtor industrial e comercial que são de natureza técnica, não personalizada, que o artista pode ou não também ser, caso tenha acesso aos meios de produção e circulação. Enquanto a produção da obra de arte não depende só de treinamento e vontade, mas de talento, vocação e dedicação. Esse é o xis do problema. 

Para tentar destituir o artista de seu poder, o discurso dos detentores de outro poder, econômico e político, isto é, os detentores dos meios de produção e circulação da obra musical organizados como pessoa jurídica, tentam de todas as maneiras inverter as relações fazendo crer que são “produtores do artista” quando na verdade todo artista é naturalmente autoprodutor. Todo artista é pessoa física e é dessa condição que realiza como autor e/ou intérprete a produção da obra musical. O que ele pode fazer é contratar profissionais ou empresas especializados em indústria e comércio para obter mais ganhos com seu produto. Mas nem isso mais é fundamental. 

Nos tempos de hoje os avanços da tecnologia permitem que muitos músicos tenham num computador seu próprio estúdio. A indústria fonográfica passou para as mãos dos músicos. A era digital por meio da internet tornou o suporte material CD praticamente obsoleto. O comércio da obra musical passou para as mãos dos músicos. A música ao vivo sempre esteve nas mãos dos músicos e é desse nicho que os produtores fonográficos tradicionais agora tentam obter lucro. E do dinheiro público, claro. 

Então eu pergunto, por exemplo: 

1- Por que na Feira Música Brasil – programa instituído pelo Ministério da Cultura e financiado com recursos públicos para a economia do setor, a pessoa jurídica e não a pessoa física é quem dita a política a ser adotada? 

2- Por que no Conselho Gestor da Feira Música Brasil não há assento para a representação do autoprodutor quando a música produzida por milhares deles é que alimenta a economia da cultura? 

3- Por que os editais para projetos da área musical são direcionados para a pessoa jurídica e não para a pessoa física? O Estado tem conhecimento que a empresa produtora proponente do projeto torna-se proprietária de um produto que ela não produziu, a obra de arte? Quando muito, contratou serviços industriais e comerciais para confeccionarem o suporte físico e sua distribuição porque muitas vezes só “emprestam” a firma para o artista poder cumprir as exigências dos editais. 

4- Por que o legítimo produtor da obra musical, trabalhador autônomo que é, não pode legalmente pagar serviços e receber por seu trabalho, sendo obrigado a ceder a propriedade de sua obra ou constituir uma empresa, que o leva ao abismo kafkiano da burocracia? 

“Músico não entende de produção”. “Autor não entende de direito autoral”. Substituir a realidade por uma idéia insistentemente repetida, como essas, por exemplo, é a função da ideologia, um dos meios utilizados pelos dominantes para exercerem a dominação de tal forma que os dominados não se reconhecem como tal. 

Através do Estado, o poder econômico exerce um poder político e mantém toda a sociedade sob seu jugo. O grande instrumento do Estado é o Direito que faz com que o legal, isto é, o estabelecimento das leis, pareça aos olhos de todos como legítimo.

No Brasil recente, em que o Estado autoritário é substituído pelo Estado democrático, novos pactos e marcos regulatórios são, e devem ser propostos, para substituir o legado jurídico e burocrático criados para servir à ditadura militar. 

Com relação a políticas públicas para os setores artísticos estamos tendo a oportunidade única de reverter o quadro de exploração que a classe sempre sofreu, assinando contratos absurdos para que sua obra receba remuneração ínfima comparada aos setores patronais. 

Precisamos trabalhar com uma nova lógica em todos os setores. Falando da música, no quadro atual da discussão pública dos seminários para propor uma nova lei autoral, com exceção da mesa que participei como palestrante ao lado do maestro Amilson Godoy e do compositor Gilberto Gil, todos os outros seminários excluem o autor, como pessoa física e independente de instituições. Advogados, técnicos, administradores, professores e tantos mais resolvem dizer como devem ser delineados os novos marcos regulatórios do autor, menos o autor. Está errado! 

De um lado temos o discurso dos representantes do poder econômico, que não sendo nem autores nem intérpretes, mas meros parasitas do direito da personalidade, defendem seus direitos à propriedade alheia, como se legítimo fosse. Por outro lado, os que são favoráveis à chamada flexibilização dos direitos autorais, isto é, pedindo que a gente dê de graça a única coisa que temos para vender, lembrando Cacilda Becker, estão se utilizando argumentos equivocados e de má fé. 

Por cada CD vendido legalmente o autor da música ganha centavos, já que em média é pago 8,4% do valor vendido ao lojista, dividido por todas as faixas e depois pelos autores. Quando o borderô de um show é falsificado e/ou a lista das músicas com seus respectivos autores é falseada; quando o fiscal do ECAD é corrompido pelo usuário, quando o serviço de escuta é manipulado, quando as rádios, TVs, bares, etc. não pagam o direito autoral, autores e músicos deixam de ganhar o seu sustento. 

Quando uma palestrante do Seminário Internacional diz que tanto os versos de um cordelista como a biruta que mostra a direção dos ventos são bens públicos, e que a lei de proteção ao autor cria uma situação artificial de exclusividade para um bem naturalmente público, este é um argumento absurdo! 

Culpar o autor por estar dificultando o acesso da população à cultura e dizer que sua obra é um bem imaterial e público enquanto os meios de produção são bens materiais e privados é um argumento inaceitável! Por que cargas d'água estão movendo mundos e fundos para que o artista profissional abra mão de sua remuneração já que ela, mesmo quando alta, é ínfima se comparada à remuneração da indústria e do comercio? Utilizar os conceitos de Antonio Negri, intelectual italiano que atualiza a concepção marxista da história, para massacrar, nos moldes capitalistas, o artista, é uma manipulação perversa! 

Tratando a obra de arte como bem imaterial e público, estão tentando abolir o direito da personalidade que é uma conquista da civilização. A lei autoral em vigor é boa, se fosse cumprida. E nenhuma lei impede que o proprietário de um bem o disponibilize gratuitamente Não precisa Creative Commons para isso. Quem quiser autorizar download grátis de sua obra pela internet, que o faça! Mas caso seja inevitável uma nova lei autoral, que a música institua sua própria e exclusiva lei. E que seja formulada também uma lei, como a Argentina está fazendo, que proteja a atividade musical. 

A música brasileira é riquíssima em diversidade e força. Ela se mantém viva e criativa em todo o território nacional mesmo que aparentemente submersa pela música descartável e pobre do jabá. A chamada música de entretenimento veiculada pelos grandes meios de comunicação e/ou empresários picaretas que fazem de nossas crianças e jovens meros consumidores embrutecidos por porcarias. Causando um retrocesso no imaginário coletivo ao tratar a mulher como vagabunda e o encontro amoroso como orgia. 

A música não é isso. A lei de educação musical nas escolas foi aprovada. Nossas crianças e jovens terão acesso à maravilhosa arte musical brasileira e esse novo tempo poderá ser risonho e franco se as pessoas responsáveis deste país assim o quiserem. É da responsabilidade dos que ocupam hoje cargos no poder público, o destino das gerações que virão e dos músicos profissionais que tiram de sua arte seu sustento. 

Temos a oportunidade de fazer uma reparação histórica em relação aos que produzem o que não tem utilidade nenhuma. 

Os que têm como ofício manter vivos a memória, o sonho, a imaginação. 

Os que produzem os valores que permanecem quando tudo que é útil não nos serve para nada. 

24/1/2009 

Fonte: ViaPolítica/A autora 

O texto “O Norte da Música – música brasileira, o xis do problema” é uma comunicação da compositora Ana Terra como coordenadora de Música Popular do Centro de Música da Fundação Nacional da Arte (FUNARTE), no Fórum Social Mundial (FSM), Belém do Pará, em janeiro de 2009.