terça-feira, 19 de maio de 2020

Setenta anos esta noite


Penso que passou depressa porque vejo que a linha de chegada está bem mais perto que a linha de partida. Penso que passou lentamente como se várias vidas tivesse vivido numa só já que tantas lembranças trago na mente e no coração. Dos meus pais que sempre me deixaram livre para cometer  erros e acertos. Uma família imensa de irmãos e descendentes que festejam unidos cada momento da existência. Meus quatro filhos dos quais me orgulho embora nem sempre eu tenha podido ser a mãe que mereciam. Meus oito netos que estão acima de todos no meu afeto incondicional. Dos amigos, parceiros, fās, que me acompanharam em boa parte do caminho. Dos amores que tantas vezes me salvaram do abismo. E hoje, apesar dos tempos sombrios, tenho a luz de um companheiro que nunca soltou a minha mão. 



segunda-feira, 27 de abril de 2020

Para Gottfried Stockinger

Um Inverno 

Até sou bem feliz ou talvez quase
não fosse essa saudade de um inverno 
entre teus abraços e recuos tácitos, 
um fogo que é o contrário do inferno

Nossos disfarces, ele americano e ela árabe 
passeios na tarde, ela cool e ele hard 
Michael Moore, Vidjay e Tiger
inversão dos tempos, luta de classes 

Luhmann no almoço, Chavez no café
falsos enganos, certas risadas 
e eu me equilibrando entre fugir de ti 
e a pajelança no teu pé

mas ainda duvidando que é miragem 
dupla contingência, sincronicidade 
mesquita verde na janela
e nossa tranquila intimidade

doce parceria, que nunca sendo tédio é paz 

se o amor não é isso, o que seria mais?

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

TÍMIDOS


Gosto dos homens tímidos. Aqueles que se atrapalham e aceleram quando deviam frear. Que se surpreendem falando mais do que deviam quando queriam calar. A voz sobe na tentativa de abafar o coração, batendo mais alto. Aqueles que temem uma mulher porque sabem do que ela é capaz quando ela o deseja porque ele a deseja. Assim de rabo de olho, basta um faiscar. 


Gosto desse jogo tímido onde os dois roubam e se fazem de desentendidos. Homens introvertidos que mandam bombom e poesia numa aparente cortesia. De amizade, de cavalheirismo, para não se comprometer. E desiste porque seria muito complicado e também nem tem tanta certeza assim de que é correspondido, ou quem sabe assustou a moça quando acelerou em vez de frear. 

Gosto desses homens que tecem o tempo e aguardam o momento propício para jogar a isca outra vez. E dizem que te acham o máximo, especial, única. E dizem isso desviando os olhos, inventando metáforas, engolindo as sílabas. E eu preciso ser delicada, respeitar seu tempo, gerar confiança. Para que ele saiba que não sou uma louca, uma destruidora de lares, que não vou dar bandeira, atrapalhar sua vida. 

E eu fico pensando como fazer isso sem parecer desinteresse. A alquimia certa, a hora certa. Enquanto espero meu corpo estremece pensando nele. Sei que um homem tímido custa a se entregar porque teme que eu seja um rio ou um mar traiçoeiro, com correntezas que o arrastem para longe da terra firme. 

Uma mulher pode destruir um homem. Sei do que são capazes. Querem transformá-lo no que ele não é. Cobram do tímido que não o seja. Que seja atirado, falante, ousado. Estão presas ao senso comum. Não suportam seus silêncios e quietude. Seus avanços e recuos. Sua vasta e intensa vida interior. Sua vontade de ficar em casa viajando pra dentro

Mas, aos poucos, ele mergulha, boia, mergulha outra vez. E sente que eu o acolho, refresco, o faço mais leve. Que sou a água que deve ser uma mulher. Para matar sua sede, lavar suas feridas, limpar as sujeiras do mundo. Água de mar para temperar. Água de rio para adoçar. 



E um dia ele se entrega sem resistência: sou todo seu. Com a coragem e a confiança que só os tímidos têm. Deus me faça capaz de merecê-lo. Porque é o melhor amor do mundo. 

terça-feira, 16 de julho de 2019

Também sofri machismo na política

Nos anos 1980 participei de várias diretorias da AMAR- Associação de Músicos Arranjadores e Regentes que recebeu compositores e intérpretes para se fortalecer. 

Em 1990 foi eleita uma chapa na qual eu era a Presidente e Gilberto Gil, vice. Só que pelo fato de ser mulher os donos do feudo achavam que eu seria um fantoche. Quando a diretoria decidiu cortar verbas extras que favoreciam antigos dirigentes começou a baixaria pelas minhas costas. Uma das piores foi dizerem que eu fiz um acordo com a ABERT em relação aos direitos autorais pagos pelas emissoras de rádio e TV. 

Gil ligou de Montreux onde participava do Festival, para Paulinho da Viola. Queria esclarecer essa notícia que tinha chegado a ele. Foi graças ao Paulinho que me ligou em seguida que descobrimos que membros da antiga diretoria estavam me caluniando. Inclusive enviando cartas aos associados mentindo sobre meus atos. Depois dizem que só na política partidária o jogo é sujo. Entre artistas também. 


(Essa e outras histórias estarão no meu livro de memórias  “Essa Mulher”.)