sexta-feira, 15 de novembro de 2019

TÍMIDOS


Gosto dos homens tímidos. Aqueles que se atrapalham e aceleram quando deviam frear. Que se surpreendem falando mais do que deviam quando queriam calar. A voz sobe na tentativa de abafar o coração, batendo mais alto. Aqueles que temem uma mulher porque sabem do que ela é capaz quando ela o deseja porque ele a deseja. Assim de rabo de olho, basta um faiscar. 


Gosto desse jogo tímido onde os dois roubam e se fazem de desentendidos. Homens introvertidos que mandam bombom e poesia numa aparente cortesia. De amizade, de cavalheirismo, para não se comprometer. E desiste porque seria muito complicado e também nem tem tanta certeza assim de que é correspondido, ou quem sabe assustou a moça quando acelerou em vez de frear. 

Gosto desses homens que tecem o tempo e aguardam o momento propício para jogar a isca outra vez. E dizem que te acham o máximo, especial, única. E dizem isso desviando os olhos, inventando metáforas, engolindo as sílabas. E eu preciso ser delicada, respeitar seu tempo, gerar confiança. Para que ele saiba que não sou uma louca, uma destruidora de lares, que não vou dar bandeira, atrapalhar sua vida. 

E eu fico pensando como fazer isso sem parecer desinteresse. A alquimia certa, a hora certa. Enquanto espero meu corpo estremece pensando nele. Sei que um homem tímido custa a se entregar porque teme que eu seja um rio ou um mar traiçoeiro, com correntezas que o arrastem para longe da terra firme. 

Uma mulher pode destruir um homem. Sei do que são capazes. Querem transformá-lo no que ele não é. Cobram do tímido que não o seja. Que seja atirado, falante, ousado. Estão presas ao senso comum. Não suportam seus silêncios e quietude. Seus avanços e recuos. Sua vasta e intensa vida interior. Sua vontade de ficar em casa viajando pra dentro

Mas, aos poucos, ele mergulha, boia, mergulha outra vez. E sente que eu o acolho, refresco, o faço mais leve. Que sou a água que deve ser uma mulher. Para matar sua sede, lavar suas feridas, limpar as sujeiras do mundo. Água de mar para temperar. Água de rio para adoçar. 



E um dia ele se entrega sem resistência: sou todo seu. Com a coragem e a confiança que só os tímidos têm. Deus me faça capaz de merecê-lo. Porque é o melhor amor do mundo. 

terça-feira, 16 de julho de 2019

Também sofri machismo na política

Nos anos 1980 participei de várias diretorias da AMAR- Associação de Músicos Arranjadores e Regentes que recebeu compositores e intérpretes para se fortalecer. 

Em 1990 foi eleita uma chapa na qual eu era a Presidente e Gilberto Gil, vice. Só que pelo fato de ser mulher os donos do feudo achavam que eu seria um fantoche. Quando a diretoria decidiu cortar verbas extras que favoreciam antigos dirigentes começou a baixaria pelas minhas costas. Uma das piores foi dizerem que eu fiz um acordo com a ABERT em relação aos direitos autorais pagos pelas emissoras de rádio e TV. 

Gil ligou de Montreux onde participava do Festival, para Paulinho da Viola. Queria esclarecer essa notícia que tinha chegado a ele. Foi graças ao Paulinho que me ligou em seguida que descobrimos que membros da antiga diretoria estavam me caluniando. Inclusive enviando cartas aos associados mentindo sobre meus atos. Depois dizem que só na política partidária o jogo é sujo. Entre artistas também. 


(Essa e outras histórias estarão no meu livro de memórias  “Essa Mulher”.) 

segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

RECEITA DE MEU HOMEM



Os muito machos que me perdoem
Mas ternura é fundamental
Antes e depois da desordem
E das ordens do amor natural
Mas é bom que tenha mão forte
Para me levar aos céus
E me regatar dos infernos
E boca que deixe marcas
Mas nunca feridas incuráveis
E que sendo jovem tenha profundeza
E mais velho, alguma leveza
Que mesmo sendo rico
Tenha a generosidade dos pobres
E pobre, a altivez dos nobres
De qualquer etnia ou credo
Mas nenhum fanatismo histérico
Respeite minha inteligência e intuição
E não diga que não vejo o que estou vendo
Que mesmo diante de mulheres lindas
Lembre das belezas que revelo
E comigo jante e durma todo dia
O resto do tempo eu o empresto
Que não se envergonhe de pedir colo

Que seja diferente, mas não muito

Goste como eu de mesas fartas
Camas quentes e amores sólidos

E mais que tudo reverencie o amor
Como disse Adélia, essa palavra de luxo.

(Ana Terra 22/07/2010)