NOTURNO (UM) - Ana Terra / André Bolívar
Puxaram-me pelos braços, unhando minha pele,arrancando meus cabelos,
virando e revirando meu estômago.
Depois as loucas me jogaram em uma jaula
e vez ou outra me atiravam pão e água;
mas toda noite exigiam meu olhar e sexo.
A elas não importava que eu estivesse
fraco e murcho, cansado e tonto,
aprisionado e louco.
Bastavam-lhes minha carne pouca e cada vez mais fria e o meu
olhar longínquo, meu hálito de quem está morrendo e as palmas
das minhas mãos duras e ossudas com linhas sujas marcando
vida breve, vida brevíssima.
Em uma noite fria de Agosto ouvi a discussão violenta
acima da minha cabeça - era no porão que eu ficava.
Desceram as escadas nuas, como todas as outras noites.
Mas dessa vez cada uma trazia um cutelo reluzente nas mãos.
Eram quatro, a mais nova aparentava vinte anos e era a mais fogosa e maquiavélica, suas taras e sua mente doentia e seu fôlego interminável me deixavam exausto e por vezes,
apesar do meu medo e desespero, excitado.
Outra, aparentava não mais de trinta anos e era a mais suja
e também encarregada de deixar a água e o pão, diariamente.
A mais velha, que poderia ter entre noventa e cento e sessenta anos, era quem lavava minha jaula e a mim,
demorando sempre mais do que o necessário para banhar-me,
sempre tocando em minhas partes e sussurrando que Onan
era seu mestre e mentor, que eu deveria semear o chão
e não as suas doces irmãs.
Eu deveria deixar a louca satisfeita ou dormiria
com ratos famintos enfiados em meu colchão
durante meu sono de morto.
Assim eu fazia.
Fazia tantas vezes quanto necessário, todos os pedidos,
todos os apelos, todas as sujeiras .
Sozinho, em duplas, em trios, com as sombras, com fome, com sede.
Por último, havia também a irmã gêmea da mais nova,
que vinha ao porão uma vez por semana, era o que eu imaginava
porque não tive mais noção do tempo desde que jogaram ali.
Ela era a única que sussurrara seu nome.Júlia. Pois gostava de cochichar
gosta de fazer com a Júlia? Júlia tá fazendo gostoso?
Além de ser a única loira dentre as três.
Como eu já disse, em uma noite fria de Agosto ouvi a discussão violenta acima da minha cabeça - era no porão que eu ficava.
Desceram as escadas nuas, como todas as outras noites.
Mas dessa vez cada uma trazia um cutelo reluzente nas mãos.
Júlia parou em frente a minha jaula, seu corpo
com curvas perfeitas e sorriu seu sorriso caridoso, treinado desde a infância.
- Eu quero a mão direita, a partir de hoje, vamos guardar cada pedacinho teu.
As outras três uivaram, estremeceram, melaram.
Vi uma travessa de madeira, gazes , álcool, agulhas e linhas grossas.
- Antes, vamos brincar um pouquinho.
Largou o cutelo no chão e entrou na jaula.
Então Júlia deu sua primeira ordem: hoje brinco sozinha.
Desde que me trancaram aqui todas obedeciam à velha que era a chefe das feiticeiras, achava eu,
se bem que eram sempre as três todos os dias e essa aparecia só no sábado
porque ela disse repetindo, porque hoje é sábado, porque hoje é sábado mas Saturno não descansa nunca!
E as loucas por motivo que não pude alcançar estancaram os uivos
e a loura fez apenas um sinal com o queixo apontando a porta.
Estremeci de medo e tesão porque ela brilhava na sua nudez era tudo dourado dos pés à cabeça
e eu pensei ela veio me enfeitiçar, essa demônia vai acabar comigo.
Saíram as duas mais novas em silêncio e a velha praguejando essa desgraçada vai me pagar
meu mestre Onan não permitirá que a vingança se interrompa.
Esse pobre diabo há de pagar por tudo que nos fez, filho do cão.
Foi a última coisa que falou ainda na sala mas se juntando às outras
ainda pude ouvir a bruxa subindo a escada delirando contando para as irmãs,
ele me amarrava naquela maldita árvore e enfiava seu sexo em todos os meus buracos,
uivando feito um bicho cada vez que gozava e enterrava suas unhas na minha carne tenra
e o sangue escorria misturado ao esperma do demo.
Depois bateram a porta e nada mais ouvi. Eu não tinha mais líquidos no meu corpo exausto
nem lágrima nem saliva pra gritar Não, Júlia! Não sou eu, não fiz nada, suas loucas!
E desabei em soluços secos enquanto aquela luz dourada se aproximava e pela primeira vez
não me unhou nem pisou nem mordeu. Abaixou devagarinho e começou a esfregar seus peitos
no meu sem nenhuma pressa mas com delicadeza que tinha esquecido pertencer a alguma mulher.
Meu deus, estou enlouquecendo e ela me hipnotizava com os olhos
porque essa foi a arma das fêmeas quando viraram o coito por trás para a frente,
assim o macho não estava fodendo qualquer vaca, qualquer cabra, ele tava vendo a cara dela
ali de prazer, eu sou feito você meu macho, também tenho gozo e você vai guardar pra sempre
essa minha cara de vadia e nunca vai esquecer que agora sou eu em cima de você
e não poderá como Onan jogar na terra seu sêmen, ele é meu,
dentro de mim você não existe mais e sim a sua descendência por todos os tempos.
E enquanto ela gemia eu pela primeira vez nesse inferno comecei a umedecer e meu membro cresceu de forma nunca sentida e ela se ajeitou para eu entrar todo nela,
essa luz dourada estava me enfeitiçando e depois o que será de mim se passar toda semana esperando ela chegar, um macho tem que esquecer a fêmea
depois de se lambuzar nela e pegar outra para não se amaldiçoar de querer aquela, só aquela.
E quando explodi dentro dela a minha alma foi até o céu ou inferno, eu e a maldita era uma coisa só, e naquele momento minha dor desapareceu
e vivi a eternidade num átimo e nessa eternidade ela tirou a língua do meu ouvido e falou: elas são amaldiçoadas e por isso não têm nome. Eu sou a única nomeada: Júlia, Júlia,Júlia,Júlia .
NORTURNO (DOIS) - Ana Terra / André Bolívar
Extenuado adormeci ouvindo ela repetir seu nome como uma ladainha e pela primeira vez desde que entrei naquela jaula eu tive um sonho
como se naquele inferno algum maldito anjo tivesse se compadecido de mim,
se eu acreditasse nesses malditos seres alados e assexuados a vagar na eternidade como partículas de luz fria, sem nenhum calor humano.
Eu galopava voltando do deserto com minhas botas de sangue
que pisotearam os infames na ultima batalha e só queria encher a goela de vinho até estourar, que nem ia me saciar nas vadias perto da taberna e quanto mais galopava minhas veias iam inchando de ódio pela humanidade,
e eu apeava num salto no lugarejo feito um oásis , com poços e mata,
pegava uma terrina de vinho e bebia sem respirar, meus próprios olhos eu enxergava, como olhos do demo e pegava a primeira mulher pela cintura e levava esperneando e amarrava num toco e me servia dela como um bicho e ela gritava -Júlia, -Júlia e eu esbofeteava a maldita
e foi juntando um monte de homens embriagados em volta - essa feiticeira vai ter o que merece, a fogueira já vai acender.
E saio alucinado para pegar uma outra que se escondia por trás das árvores e vi que eram três.
A primeira amarrei do outro lado do tronco e ofereci para os homens se fartarem,
depois corri para pegar as duas que fugiam, duas meninas, carne fresca e eram iguais
não fosse o cabelo escuro de uma e o claro de outra, mas essa conseguiu escapar,
e levei a outra para amarrar com as duas e servir aos homens enquanto gritavam - mãe, mãe, e vi que as malditas eram da mesma família de bruxas, e não quis encostar nelas,
agora eu só queria a loura, e a mais velha continuava gritando - Júlia , Júlia ,
então é esse o nome da que faltava, a que eu quis porque tinha uns olhos de princesa,
e corri pelo povoado inteiro a cata dela, porque com essa eu ia fazer diferente, não ia machucar, meu ódio sumiu de repente enquanto feito louco procurava a primeira mulher que me tocou a alma e não só a carne, e depois de nunca desistir, gritando pelo seu nome, um velho com cara de demente me apontou um porão escuro e eu desci num pulo e lá estava a moça loura completamente nua e brilhando feito o sol e eu arranquei minha roupa mas não pulei em cima,
fui me aproximando devagar hipnotizado por tanta beleza não reparei que ela tinha as mãos escondidas e quando estava bem perto só vi duas cruzes afiadas vindo na direção dos meus olhos .
Acordei assustado na jaula e só vi a mão que puxou uma seringa da bolsa sobre a mesa.
Aplicou-me uma injeção, dizendo-me ser vitamina. Eu não tinha forças para lutar.
- Esta noite você terá paz, disse Julia, dando-me as costas enquanto minha visão turva olhava sua bunda dura, perfeita, subindo as escadas.
Eu tinha um pano, uma bacia metálica e minhas unhas compridas. Imaginei se conseguiria asfixiar uma delas com o pano, ou dilacerar sua jugular com minhas unhas ou então afiar a borda da bacia na parede até transformá-la em uma arma branca.
Julia disse que eu teria paz naquela noite. Eu quase confiava nela, eu precisava confiar nela. Então relaxei. Fui ficando mais tonto e lembrei da injeção. Adormeci enquanto friccionava a bacia na parede.
Acordei cego.
Sim, quem me alimenta; quem me ama mais do que a si é a mesma pessoa que escreve as minhas memórias, ela ama os meus pedaços e agora somos só nós dois, já não há ninguém mais entre nós.
Ela prometeu não censurar nada do que eu disse aqui e assim acredito.
Ela me serve de olhos e de mãos, como se as suas fossem as minhas, tamanha a intimidade que seu tato tem com o meu corpo.
Devemos passar o resto dos minutos que nos restam juntos.
Minutos de calor e mãos.
Uau!
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