domingo, 27 de julho de 2014

FRAGMENTOS DE MIM - VI -

Meu amigo era estranho e lindo e eu adorava essa estranheza nele e nas telas que ia pintando pela vida e à noite me pegava de moto, me levava para dar umas voltas pelas estrelas cadentes e eu passava os braços em volta dele e me sentia segura, porque meus filhos dormiam, meu marido dormia e podia voar um pouco depois de lavar os pratos, e sentir os quadris dele encostados no meu e sentir um calor bom que não deveria sentir mas eu não mando nos meus quadris, nem na minha temperatura, nem em nada que não passa pelo pensamento, e também cuidava dele quando estava doente porque pra mim não há desgraceira maior que você queimar em febre e não ter ninguém para colocar toalhas frias na testa e segurar sua mão e acender vela pro seu anjo da guarda e trazer água e dar carinho. 

E um dia, sem querer, a gente se apaixonou e quando a gente se apaixona não tem nem montanha alta que esconda, e nunca se deve esconder mesmo porque senão pode achar que se tem vergonha dela e aí some da vida da gente pra nunca mais voltar e isso é desgraceira maior ainda, paixão  gosta de ser tratada como princesa e receber todas as honras por ter acendido uma luz em nossos olhos, essa que nenhuma montanha esconde. Mas meu marido que pensava que entendia de tudo que é sentimento nessa vida, chamou a gente num bar e falou, olhando nos olhos dele e depois nos meus,  como você pode se apaixonar por um gay? E eu disse que não sabia que não podia, porque posso me apaixonar por tudo nessa vida  e aquela princesa, é minha irmã  gêmea. 
                                                          
                                                                    Ana Terra

Um comentário:

  1. Magnífico texto, Ana Terra. Sua sensibilidade fina deixa derramar-se um sentimento que é cada vez mais raro neste mundo de busca de emoções fortes mas passageiras: a ternura, essa emoção pura que deveria reger nossas relações, sobretudo as amorosas, mas que é tão rara e difícil.
    Difícil dar-se gratuitamente, pelo único prazer de esparramar carinho.
    Se sua personagem o faz é porque seu coração assim sente.
    Parabéns

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