quinta-feira, 31 de julho de 2014

EU NÃO QUERO - Eudes Fraga/Ana Terra

Para o vídeo acesse o link:


Eu não quero nada
nada rapidinho
nada meio over
muito moderninho

Eu não quero site
e-mail, recadinho
nada meio cover
nada muito light

eu não quero night
sexo megabite
nada meio fake
nada muito punk

eu não quero funk
 quero um amorzinho
mas não quero morno
eu só quero bem quentinho

domingo, 27 de julho de 2014

FRAGMENTOS DE MIM - I -

Nasci quando folhas secas caíam pelas ruas e um pouco desse outono permaneceu em mim. Antes de aprender a ler acariciava livros como  gatos de estimação. As estrelas estavam sempre desfocadas porque sou míope mas a minha solidão enxergava como se tivesse uma lupa  pregada à minha mão. Meu pai me levava para ver aquários  e minha mãe costurava poesia na imaginação. Por isso vivi sempre entre mergulhos em águas profundas para salvar peixes, e saltos mortais para alcançar  palavras soltas que voavam da cabeça dela. Naquele tempo eu era uma atleta mas hoje só vou até à janela. Peixes e palavras saltam para minhas mãos.                                                    


FRAGMENTOS DE MIM - II -

Eu chamei mas ninguém ouviu. Talvez minha voz fosse fraca, meu grito só mímica, meu esgar invisível mas nunca tive vergonha de pedir, só que talvez ninguém pudesse ajudar mesmo, pensam, moça bonita e inteligente não precisa de nada.  E eu na minha pouca idade já lia pensamentos e sentimentos, sempre contraditórios, e também emoções que são mais fáceis de ler porque estão escritas no corpo, difícil embaralhar palavras no peito,  nos olhos, na aura então, impossível. E por isso pedia ajuda, não dava conta de tanta leitura dos outros. Hoje não dou conta das escritas em mim, mas ninguém me ajuda. Quero tão pouco, uma vírgula no caminho, um verbo no presente entornado na mesa, um adjetivo em cima da cama. Não me dêem conjuntivo nunca, nada que seja ação hipotética, irreal, ainda não realizada. Só uma interjeição bonita no final do abraço. Mas ninguém me escuta.

FRAGMENTOS DE MIM - III -

A tarde me cobria de lilases e corais e corria como uma demente para o homem que me chamou, vem minha flor, e eu ia. Sempre fui, desde um inverno num bar com o primeiro namorado, eu no banheiro esfregando pernas e braços pra me aquecer e a faxineira, -nesse frio melhor que casaco é homem, homem é quente, e encostei nele confirmando. 

Nunca entendi os homens são todos iguais, são tão diferentes que dá um trabalho danado escolher  qual cor me iluminará  para ele, e imaginar de qual parte de mim ele se encantará, porque a gente diz, gosto tanto de você, mas ninguém gosta de tudo, sempre é um nada que encanta e o resto faz parte. Pode ser a nuca que apareceu quando prendi o cabelo, um silêncio na hora certa, meu ar distraído que o surpreendeu, o peito que encostei no dele, a palavra bonita que saiu, um afago na curva do quadril, mas cada um é de um jeito. E eles me ocupavam tanto que fui me desvencilhando da obsessão por peixes, palavras, e de ler os outros por dentro.  Desde então meu ofício é procurar arco-íris e descobrir que homem é mesmo uma maravilha.  

FRAGMENTOS DE MIM - IV -

Enquanto coração e corpo sossegam à espera do amado, o pensamento voa pela paisagem, pela terra, pelo firmamento e pelas pessoas.  A natureza é uma mulher indomável que detesta ser contida e explode em ira vingativa, como um furacão. A natureza é uma moça bonita e recatada enfeitada de cores e protegida por cercas como canteiros bem cuidados, e também aquele jovem impetuoso que segue a lei do mais forte como o predador devora sua presa,  e o que segue a lei do mais esperto e vive como parasita.

 A natureza é aquela mulher pródiga que distribui frutos nativos e peixes que ninguém plantou e o velho sábio que veneramos só por existir, como a sombra de uma árvore secular. A natureza somos todos nós, na busca pela sobrevivência como instinto. Mas vamos além. Somos seres culturais, na busca de regras de convivência para nos tornarmos humanos.
Ana Terra


FRAGMENTOS DE MIM - V -

Eu era assim, uma sombra dele, um reflexo da imensidão de luz que emanava, a repetir seus pensamentos até que virassem meus, a imitar gestos no meu corpo até que virassem seus. Guardava seu gosto na minha boca e a comida que eu fazia provava antes com sua saliva para então oferecer, e  amoldava minhas curvas e retas nas dele para nada sobrar ou faltar, arrumava minhas palavras para que soassem como eco, misturava sua aura na minha para ter alguma luz quando de mim se afastava, levantava antes só para enfeitar o amanhecer e deitava outra vez, e abria meus olhos com os dele só pra falar junto, que dia lindo! 

Eu era assim, mas depois que ele se foi, não sei mais quem sou.    

FRAGMENTOS DE MIM - VI -

Meu amigo era estranho e lindo e eu adorava essa estranheza nele e nas telas que ia pintando pela vida e à noite me pegava de moto, me levava para dar umas voltas pelas estrelas cadentes e eu passava os braços em volta dele e me sentia segura, porque meus filhos dormiam, meu marido dormia e podia voar um pouco depois de lavar os pratos, e sentir os quadris dele encostados no meu e sentir um calor bom que não deveria sentir mas eu não mando nos meus quadris, nem na minha temperatura, nem em nada que não passa pelo pensamento, e também cuidava dele quando estava doente porque pra mim não há desgraceira maior que você queimar em febre e não ter ninguém para colocar toalhas frias na testa e segurar sua mão e acender vela pro seu anjo da guarda e trazer água e dar carinho. 

E um dia, sem querer, a gente se apaixonou e quando a gente se apaixona não tem nem montanha alta que esconda, e nunca se deve esconder mesmo porque senão pode achar que se tem vergonha dela e aí some da vida da gente pra nunca mais voltar e isso é desgraceira maior ainda, paixão  gosta de ser tratada como princesa e receber todas as honras por ter acendido uma luz em nossos olhos, essa que nenhuma montanha esconde. Mas meu marido que pensava que entendia de tudo que é sentimento nessa vida, chamou a gente num bar e falou, olhando nos olhos dele e depois nos meus,  como você pode se apaixonar por um gay? E eu disse que não sabia que não podia, porque posso me apaixonar por tudo nessa vida  e aquela princesa, é minha irmã  gêmea. 
                                                          
                                                                    Ana Terra

FRAGMENTOS DE MIM - VII -

Sempre sonhei com o príncipe encantado. As substancias químicas que a paixão provoca no organismo são tão viciantes quanto qualquer droga. Morrer ou viver de amor, a gente descobre que é a mesma coisa. Quando entro naquela depressão leve, estou mal mas ninguém percebe, posso passar um bom tempo assim até que chego a uma fronteira onde existe um abismo. Ali tenho que decidi se me atiro para baixo ou para cima. O risco da queda existe em qualquer uma das decisões a única diferença é que se escolher o impulso para cima posso aprender a voar.
Muitas vezes aprendi a voar e quem me botou asas sempre foi a paixão que considero um amor elevado a algumas potências. Não estou nem aí para as diferenças entre paixão, amor e amizade que estamos acostumados a ouvir. Para mim é tudo feito da mesma matéria, só muda a intensidade. Com a mesma pessoa amada você pode alternar esses sentimentos, não considero uma hierarquia onde por exemplo o amor, com o passar do tempo, se transforma em amizade. Pode sim, se transformar em paixão novamente, mesmo com 50 anos de convivência. A vida, e cada um de nós é tão surpreendente ... Sempre me emociono quando encontro pessoas que renasceram. Porque encontraram o grande amor, porque tiveram um filho muito querido, porque se dedicam apaixonadamente a uma causa em que acreditam. O contrário da morte não é a vida, é a paixão 
Ana Terra

FRAGMENTOS DE MIM - VIII - O intelectual e a artista

Eu tenho um amigo que é professor doutor na Universidade de Viena e o  que acho mais lindo na vida é o pensamento abstrato, a capacidade de pensar idéias puras e conceituar e demostrar como o raciocínio pode elaborar teses, e eu me esforçava para ler seus escritos achando talvez que a inteligência pudesse ser um tipo de vírus que a gente pega do outro.  Mas a coisa que ele mais achava lindo em mim era o contrário, a liberdade de não justificar nada e acreditar em lendas e deuses e tocar nas emoções com intimidade e falar da vida vivida sem nenhum pudor, porque não terá uma banca te examinando e te pedindo explicações. Mas eu me empenhava em aprender a pensar, já que não tenho o elemento ar no meu mapa astral e a gente tem que trabalhar o que te falta, a função inferior. Minha mesa de cabeceira tinha sempre uma pilha de livros e meu marido zombava, isso que é Mil Platôs literalmente, referindo-se à obra de Deleuze e Guatarri. Mas aprendi com alguns livros a amparar um pouco a água livre do sentimento com margens de palavras e pensares.  E que a obra de arte é o saber debruçando-se sobre o não saber. 

Ana Terra

FRAGMENTOS DE MIM - IX - Calma preocupada

O que me salvou de não ser uma louca histérica reacionária foram pessoas tortas e destoantes que  encontrei pela vida desde a adolescência no nordeste com minha curiosidade de ver o lado escuro da força que muitas vezes era o brilhante, o padre comunista do interior que não dava ouvidos às fofocas das beatas sempre a denunciarem quem se "perdeu" e ele só respondia, a senhora sabe quantas pessoas passam fome no mundo? A adúltera que só tinha eu como amiga porque todos lhe davam as costas, o cara inteligentíssimo e muito feio que namorei para horror de minhas colegas do colégio de freiras que me achavam linda porque era carioca,  as empregadas domésticas que voluntariamente consegui alfabetizar ensinando a escrever cartas de amor e letras das músicas do Roberto Carlos, as duas coisas que mais tinham serventia para elas. Tive muita sorte de ser uma menina doce e tranquila  e ter, como definiu minha nora, uma calma preocupada, e assim observar que outras idéias e tipos de pessoas existiam além da minha família de militares, e disso não guardar rancor, apenas saber que são muitas e muitas as escolhas que se pode fazer na vida e assim desenvolver um senso crítico, uma riqueza interior complexa em diversidade, e então sim, sempre me posicionar diante da realidade e tentar escolher a que me conduzirá ao lado mais justo da força. 

FRAGMENTOS DE MIM - X - A morada de Deus

Na minha família tem de tudo, católicos, evangélicos, kardecistas, umbandistas, budistas, e ateu, só meu pai. Eu amo o candomblé da Bahia, desde que fui levada pelas mãos de Dorival, e creio em tudo porque acho que tudo que o homem pode imaginar, existe, até o não acreditar. Isso é bom, porque aqui se alguém passa por um problema sério, todos se apegam às suas crenças para pedir ajuda e quando o aperto passa, o beneficiado tem que agradecer a muitas entidades diferentes porque ninguém sabe qual foi mesmo que salvou mas todos crêem que foi a sua. 

Não há nada mais saudável que o respeito à fé, ou não fé do outro mas dá uma trabalheira ensinar isso às crianças. Um dos meus netos, evangélico, me falou abismado: vó, só existe um deus, e como você pode acreditar em muitos?? que  uma pedra é deus, que uma cachoeira é deus, quantos deuses para você  existem afinal, onde eles vivem? Eu falei assim, mas ele ficou pensativo, deve achar a avó doida: ah, João, nós só pensamos diferente, para você é só um e está no céu e pra mim  são tantos quanto o número de pessoas que vivem no planeta. E é só olhar no espelho que cada um descobre onde mora seu deus.

FRAGMENTOS DE MIM - XI - Eu te amo

A areia escorre entre minhas mãos nessa praia onde vou em busca de algo maior que eu. Mergulho no mar que me acolhe, um colo líquido e salgado, gosto disso. O sol que vai me secando aos poucos como uma toalha fofa na mão dele que me secará depois que transbordarmos. 

O amor é doce e lunar mas a paixão é salgada e solar. Não sou bem resolvida, não estou de bem com a vida e nem encontrei Jesus. E foi por isso que ele me escolheu, porque tem os mesmos tormentos meus. Mas tem mais palavras importantes que as minhas e conhece mais ideias do que eu. E me manda textos para eu me salvar de mim mesma. Eu leio como quem bebe o ultimo copo d'água no deserto. E mais uma vez sou salva pelas palavras. 

Mas o que mais gosto de tudo, tudo! É que ele me chama de linda quando digo uma coisa tão simples: eu te amo.

Ana Terra

FRAGMENTOS DE MIM - XII - Quer casar comigo?

Não sei nada de quase tudo mas sei que não sou burra o suficiente, nem bonita o suficiente, para agradar a qualquer um. Não sou pra qualquer um, infelizmente. Só pra quem se contenta com meus silêncios e amor ardente. Mas que goste muito do dia a dia, tomar café junto, dormir na mesma cama agarradinho, feito amor do campo, aquela planta que cura e é um simples mato. Sou um simples mato, não essas flores sofisticadas, embora alguns me vejam assim. Uso batom e brincos sempre, são meus únicos adereços permanentes. Não gosto de olhar vitrines mas posso ficar horas olhando ondas. Gosto muito de chocolate amargo, café, tabaco e vinho. Não gosto de música ambiente nunca, aliás como Chico e Dorival, porque ela deve ser a estrela no palco e jamais ruído. Não acho viajar só a melhor coisa do mundo mas passaria um mês, talvez um ano, em Roma, Paris ou Lisboa,  numa boa. Gosto de família, de velhos, crianças pequenas, sei cuidar de um doente respeitando sua dor e pousando minhas mãos de cura em sua fronte. Sei também massagear meu homem que chega cansado do trabalho enquanto ouço suas reclamações do mundo. Sei ler o céu e interpretar seus sinais. Tarô também, mas só os arcanos maiores. IChing acho o supremo luxo, por isso só às vezes. 

Sou uma menina Terra, signo do elemento terra, por isso sou velha como o mundo. Não sei ganhar dinheiro mas tenho Júpiter na casa dois, então ele sempre me chega assim como vai. Meu nome tá sujo no SPC porque não paguei a agiotagem bancária . Mas nem esquento, rio com Lenin, não, foi Brecht, a xará me corrigiu, o que é um assalto a banco diante da fundação de um banco? Ah, também sou comunista. Não do tipo raivoso mas bem doce. Só nunca compreendi porque um doutor deve ganhar mais que um gari.  Muitas coisas não compreendo. Mas rio alto feito criança se encontro alguma resposta nos livros. E também quando me apaixono. Gosto mais de frio que de calor só para usar botas. Gosto de muitas coisas mas do que mais gosto mesmo é de um homem perdidamente apaixonado por mim.                                  

 Ana Terra

FRAGMENTOS DE MIM - XIII

Hoje, no dia de hoje exatamente, devia rasgar tudo que escrevi e me imolar nessa fogueira de papeis porque não quero mais paixão nenhuma. Meu amor me disse, um dos trezentos mil amores meus, que paixão é servidão e ele  precisa aprender a envelhecer, sem sobressaltos.

Queria muito, eu também, mas vem um espírito soprar no meu ouvido: vocês não são pétalas lisas, tem fendas e precipícios. E eu me atiro outra vez.

FRAGMENTOS DE MIM - XIV PRECISO

Preciso de um amor imenso onde eu caiba com minhas tralhas tantas, em poesia e prosa. Que se encante com meus versos baratos mas de coração, meus gestos suaves mas com emoção, meus braços repletos de sentimentos vastos. Que me ache interessante sem que precise ler Ulisses de Joyce, nem voar de asa delta, escalar o Himalaia ou falar mandarim. 

Que me ache bonita sem maquiagem, dietas, artifícios. Me guie para dançar, me enlace quando eu chorar e mande um pouquinho em mim. Preciso que brilhe os olhos com Madredeus, Machado, Eça, Saramago, Pessoa, Andre Bolivar, Susana Travassos, Sergio Ricardo. 

Um homem que fale a minha língua e a dos anjos, mas que sem amor, nada seria.

FRAGMENTOS DE MIM - XV SENTIDOS



Sonhe com mares nunca dantes navegados e um amor nunca antes amado que disso vem a luz do corpo. Caminhos bonitos sem volta, areias macias sem fim, trilhas sonoras imaginadas, que disso se alimentam nossos pés. E não mate a fome de viver com migalhas e restos, mas com finas iguarias em louça inglesa, toalha bordada e guardanapo de linho porque assim ela virá redobrada na próxima vez; a memória dos sentidos nunca se apaga. Cheiro do Pará, visão do paraíso,  sabor daquele vinho, canção do Chico, beijo no dorso. Todo prazer provém do corpo. 


FRAGMENTOS DE MIM - XVI VER



Há relâmpagos que só eu vejo, mesmo de olhos fechados eles insistem e eu desisto de procurar doença onde não tem. Cada um vê o que só cada um vê e nunca diga que eu não estou vendo o que estou vendo ou não sentindo o que sinto. Eu sei como é difícil compreender o outro na vastidão de cada um. Relação então é indiscutível sob qualquer possibilidade de acusação, como querer alguém diferente do que é? Não esqueço que Jung disse que no momento que conhecemos alguém uma parte de nós já sabe todo mal que essa pessoa pode  nos fazer. E em vez de ouvir a voz interior nos atiramos para o outro sem rede de segurança.  Por que?

Fragmentos de mim. - XVII

Revistas femininas e livros de autoajuda sempre traziam fórmulas mirabolantes para conquistar um homem. Errei todas. Nunca poupei esforços  quando queria um. Procurei numa lista telefônica até achar o número do telefone de alguém que me levasse a reencontrar aquele que conheci numa festa por acaso e conversamos tanto que parecia que nos conhecíamos há milênios; mas eu estava casada. Quando me separei, foi ele que quis. Outra vez, nos resquícios de sexo, drogas e rock and roll no Baixo Leblon, conheci um homem às 4 da manhã, bem embriagada, e foi esse que quis. Fui para a casa dele sem nem saber seu nome e adormeci feito uma criança  em seus braços frustrando qualquer expectativa masculina de ter um fim de noite erótico. Mas o que ele se encantou comigo foi essa confiança irresponsável: e se eu fosse um bandido, um tarado? Mas você não é, eu tenho um anjo da guarda que não bebe. Nunca deixei o telefone tocar várias vezes para fingir que não estava ansiosa pelo telefonema. Atendo de primeira: Que bom, amor, estou morrendo de saudades. E compro a bebida que ele gosta mesmo sendo cerveja que odeio. E torço pelo time dele mesmo não achando graça em esporte. E gosto da família dele como se fosse minha. Descumpri todos os manuais de conquista mas com todos me casei. 

quarta-feira, 23 de julho de 2014

A ALMA ENCARNADA - 1

Cansaço, fome e solidão. Os pés quase parando e o coração mais acelerado. Os seres noturnos aquecendo as vozes, a encruzilhada adiante, o medo de perder-se para sempre. A hesitação. Talvez ela sente e chore mansamente, talvez grite e amaldiçoe o destino, talvez respire fundo, esvazie os pulmões e a mente, feche os olhos, rode em volta de si mesma com o indicador esticado e siga o caminho que o inconsciente, a sorte, Hermes, enfim, ela mesma escolheu. Mais uma vez, a mais triste das virtudes a impulsionou e seguiu movida por um fio de esperança. Ou teria sido pela fé, a mais irracional? Logo adiante, sentado em posição de lótus, imenso e silencioso, um homem abriu os braços e ela coube inteira no seu colo. Adormeceu aquecida e alimentada pelo Buda-Nagô.

Esse foi o sonho inaugural, na primeira semana do curso, estudando o primeiro texto: “Da natureza e da origem da alma”. A interpretação é clara. Vivendo uma crise em vários níveis, há muitos meses, eu estava à beira de uma estafa. O meu corpo reclamava com dores e não respondia mais aos tratamentos tradicionais analgésicos, anti-inflamatórios e fisioterapia. Eu tinha que dar uma virada na minha vida.

In "Relato de uma Aprendizagem" - Ana Terra /2004

segunda-feira, 21 de julho de 2014

TODO MUNDO TEM - Heitor Branquinho/Ana Terra

Para o vídeo acesse o link

Mulher meu bem, todo mundo tem
Esposa boa, amante louca, amizade zen
Mas sorte rara só anjo caído
Numa só amada reunir as três

Poesia meu bem, todo mundo tem
Todo mundo faz nos intervalos do café da tarde
Mas ser poeta  não é biscate, é tempo integral
Tinta de sangue, pranto, esperma
O que a vida tange nunca tem seguro
É perda total ou paraíso enfim
Por amar no escuro e tanto assim

Amor meu bem, todo mundo tem
Por bicho, marido, filho
Amor é permanecer
Doar, continuar, envelhecer

Mas paixão é outro trilho
Transcender, compartilhar,
Remoçar, renascer
Paixão é amor com brilho.

domingo, 20 de julho de 2014

É SÓ UMA CANÇÃO - Milton Nascimento/Ana Terra

X Para ouvir acesse o link:

feito as coisas mais simples sem aviso prévio
feito as coisas mais fortes que não tem remédio
feito a vida da gente que não tem destino
feito a vida eterna que não tem perigo
é só uma canção é só uma conversa
é talvez o mistério de um livro aberto
é quem sabe a beleza de nunca ir embora
se alguma vez já esteve tão perto
ser quem chega e desfaz os abismos sem medo
ser quem vai e revive o sorriso apagado
quem não leva a certeza nem toma cuidado
é quem traz a surpresa do abraço esperado
feito as coisas mais simples que não tem destino
feito as coisas mais fortes sem aviso prévio
feito a vida da gente que não tem perigo
feito a vida eterna que não tem remédio
é só uma canção é só uma estrada
é talvez o segredo do filho mais velho
é quem sabe o amor do irmão mais chegado
com certeza é saudade que não vai embora
é pra gente o amigo de todas as horas

sexta-feira, 18 de julho de 2014

NÃO VOU ABENÇOAR Francis Hime/Ana Terra

Acesse o link:

Não vou abençoar vocês
Romperam todas as leis do amor
A lei que a gente segue mesmo
Sem ninguém saber quem fez

Perderam por aí
a fôrma de casal
a liga mais sutil
o gosto ideal
deixaram de sorrir
deixaram para lá
o doce desandou
e não provaram mais

Não vou abençoar vocês...

Perderam por aí
a manha de tecer
o elo inverossímil
a cama do prazer  
a trama invisível
a rede dos sinais
o ponto escapuliu
e não acharam mais

Não vou abençoar vocês...


A MANDO Claudio Nucci/Ana Terra

Para o vídeo acesse o link:


Gosto desse amor inesperado
sem futuro, nem passado
Mas junto com nossa roupa
arranca o presente dado

Gosto desse amor me devastando
Com a sua mocidade
Me sujeitando a seu mando
Pra cumprir minha vontade

Roubando estrelas do céu da boca
Cravando os dentes na minha carne
Os dedos em minhas partes ocas 
E beijos molhados por toda parte

Me percorrendo com intimidade
Como se em mim sempre morasse
Nosso prazer fosse uma arte
E cada gesto nos retocasse

quinta-feira, 17 de julho de 2014

PAGA

Você não me deve nada
de que espécie eu seria
se meu amor tivesse paga
com que olhos dormiria

o sonho de ser sua amada
que espécie de coração 
no meu peito bateria 
se antes não tinha nada
nada de nada eu sentia
e agora até minha mão 
por você  é que se guia
de noite e durante o dia

Não se culpe, não duvida
antes em mim nada havia
você hoje é minha vida
com dor, mas também alegria 

                              Ana Terra/2014 



segunda-feira, 14 de julho de 2014

NOSSA DANÇA - Danilo Caymmi/Ana Terra

Para ouvir acesse o link:

Como a estrela ria, como a canção se fez
Como o amor me guia
Eu me guio só por vocês
Tanto serei criança
Tanto melhor a voz
Tanto serei quem dança
Quando a dança fizermos nós
Vai, vem tudo que o mundo tem
Só o que não se cansa
É a gente se querer bem.


domingo, 13 de julho de 2014

NÃO VIVO

Onde andará o Senhor, meu senhor, que te fez me achar
Nem que eu grite arrebente eu já sei não me ouvirá 
Me abandonou no instante em que Dele me apartei 
Para seguir tua voz e cumprir o que mandarás
Me afogar em tua boca teu dorso e beijar teus pés 
E te adorar feito louca e amar como nunca amei
Eu já não vivo por mim só respiro se for teu ar 
Esse Senhor, meu senhor, fez a mim por me desejar
E me criou no avesso do espelho em que vais me olhar
Mas esqueceu de criar o caminho de retornar
Se me salvar de mim mesma só Ele saberá 
se por piedade ou pavor o Seu trono te cederá.           

                                           Ana Terra/2014

sábado, 12 de julho de 2014

GOSTO

Gosto das palavras da língua 
Que me lambem como labaredas
E líquidas não água mas gasolina 
Me encharcam sem tirar a roupa
E antes de calar tua boca me alicia
Para uma eternidade sem retorno 
A vida concentrada no minuto
Em que um morrerá dentro do outro

                                                             AnaTerra/2014

NÓS

Nós dois somos feitos do mesmo barro
Mesma água a esparramar dos olhos
Mesmo fogo a transbordar dos poros
E a loucura mansa dos poetas
Nenhuma rede a nos amparar
Nos vôos ou nas quedas
Apenas um brilho a mais no olhar
Refletido das estrelas
Mas queima envergonha afasta
Quem poderia nos amar

                            Ana Terra / 2014

EU NÃO TENHO CULPA - Tenho carro

Viajei de carro 2500 km pela Europa e fiquei impressionada porque não vi nenhum acidente naquelas auto-estradas onde as pistas do lado esquerdo são vazias, só para ultrapassagem, ninguém muda de faixa, não piscam o farol atrás de você, nem buzinam. Respeitam os limites de velocidade e em alguns trechos é livre e se anda a 200 km/h com aqueles carrões maravilhosos. Lá não tem Lei Seca e as pessoas param nos bares da estrada, bebem e voltam a dirigir. Imagino que as leis de trânsito estão de tal forma introjetadas que as pessoas cumprem naturalmente. Aqui no Brasil eu sei que não é assim e tiveram que proibir a direção de veículos por pessoas alcoolizadas devido à quantidade de acidentes. Mas eu tenho bons reflexos, nunca atropelei ninguém, sei que posso beber muito e dirigir sem problema. Não vou abrir mão de andar de carro e basta eu consultar a internet que sei onde tem blitz e mudo de caminho. Antigamente até dava para passar uma grana pro guarda quando  os documentos estavam irregulares ou cometia alguma infração, mas agora são tantos que teria que assaltar um banco para comprar todos eles. Não preciso obedecer essa Lei, eu sou do bem, não sou que nem esses políticos todos corruptos, eu sou sociedade civil, não tenho culpa. 
                                                                  Ana Terra/2014

                                                                  

sexta-feira, 11 de julho de 2014

NUNCA MAIS ADEUS

Para ouvir acesse o link
http://youtu.be/QPbzi8KGXFM

Sueli Costa/ Ana Terra
 
A cidade me quer
E eu te quero dizer
Nunca mais meu perdão
 
Tontear de prazer
Nunca mais mocidade
Tateando os portais
Do que nunca seremos
 
A cidade me quer
Serenando os meus olhos
Cansados de tantos sinais vermelhos
 
Se a porta se abrir
Esses passos são seus
Eu por mim
Nunca mais adeus
 

EU NÃO TENHO CULPA - Sou médica

Sou médica mas nunca tive vocação para tratar de pobre, tenho 3 matrículas no serviço público para me garantir, nem preciso ir se posso dar uns trocados para um iniciante atender no meu lugar, e se vou, durmo mesmo no plantão, os estagiários que se virem. Quando atendo nem encosto a mão nos pacientes, olhar garganta, auscultar, examinar a pele, as unhas, como faziam os médicos antigos, e ouvir aquela ladainha de queixas, nem pensar . Basta fazer os exames e receitar os remédios indicados pelo laboratório. Sim, porque tenho consultório particular e atendo o pessoal de plano de saúde. No máximo 15 minutos cada um, e também nem encosto a mão neles, mas nenhum sai de lá com menos de três indicações de medicamento.Preciso receber os representantes de laboratórios que tem acordo com as farmácias e copiam da receita a matricula do médico. E assim ganho pontos para os presentes, e os melhores são os congressos no exterior bancados pela indústria farmacêutica. Faço a festa. Mas vou anular meu voto na próxima eleição porque os políticos são todos corruptos. Sou sociedade civil, eu não tenho culpa.  
                                                                  Ana Terra

quinta-feira, 10 de julho de 2014

LUTA DE CLASSES


RISCO

Eudes Fraga/Ana Terra 

Para ouvir acesse o link:

AMOR É SEMPRE RISCO
UMA TRAÇO INDEFINIDO

ENTRE O VAZIO ESPAÇO

E O CÉU ABSOLUTO
ENTRE O INFINITO ABRAÇO
E A SOLIDÃO DO MUNDO
ENTRE O MERGULHO RASO
E  O DESLUMBRE DO FUNDO

AMOR É DESAFIO
CHEIRO, OLHAR, CALAFRIO
DESACATANDO À MORTE
DESENCAPANDO O FIO

LUXO, ESPANTO, SORTE
AMOR É LIBERTAÇÃO
ÚNICA LUZ E NORTE
EM NOSSA ESCURIDÃO